Homilia – Domingo na Oitava de Páscoa

Reflexão por Pe. Rivaldo Oliveira da Silva, CSC

A fineza do evangelho joanino nos faz voltar às primeiras páginas do relato da ressurreição do Senhor (Jo 20,11-18), num detalhe que poucos perceberam: Maria Madalena, simboliza o “correr” das mulheres, logo, no clarear do novo dia, quando ela vai ao túmulo do Senhor e o encontra vazio com a pedra removida. 

Apavorada, corre ao cenáculo, à casa onde se encontrava Pedro e o discípulo amado e disse-lhes: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o puseram”. Portanto, o “não sabemos” é dito no plural para atestar que havia outras mulheres com Maria Madalena. Pedro e o discípulo que Jesus amava, correm juntos ao túmulo, o discípulo amado chega primeiro, mas não entra em consideração e respeito a Pedro por ser o primeiro entre os iguais.  O discípulo amado “ver e crer” e Pedro, simplesmente ver os lençóis mortuários e o pano que envolvia a cabeça de Jesus à parte. O que significa os lençóis mortuários à parte? Significa que não era obra de “ladrões” ou de alguém que foi roubar o corpo do Senhor, senão, teria deixado os lençóis em desordem e não os teria descartado. 

Desse modo, Pedro fica ruminando o fato ocorrido e o que aconteceu não pode ter sido uma ação humana, mas obra daquele que tem pleno poder para destruir a morte (Ez 37) e retomar a soberania da vida em plenitude. 

Assim sendo, as mulheres são as primeiras testemunhas da ressurreição, mas não entram no túmulo, pois o autor sagrado necessitou de duas testemunhas qualificadas: de Pedro e do discípulo amado para que o relato da ressurreição de Jesus tivesse credibilidade em um contexto patriarcal. Maria Madalena, inclinou-se à porta do túmulo. Todavia, a sua posição corporal era de alguém que estava preocupada com o corpo, como se ainda não tivesse compreendido que o Filho do Homem nunca morrerá no Espírito, morreu fisicamente, mas Deus o ressuscitou da região dos mortos e por meio dele, toda a humanidade ressuscitou do sono profundo da morte. 

Outro elemento importante, que o autor sagrado põe em evidência no relato da ressurreição, é que a cena do túmulo vazio é descrito na madrugada do primeiro dia da semana para nos dizer que os personagens não têm “luz plena”. 

Contudo, o autor sagrado deixa para trás o cenário do túmulo vazio e da pedra removida e nos direciona para o fim da tarde do primeiro dia da semana, ou seja, no final da tarde do dia da ressurreição (Jo 20,19-31). O lugar do novo episódio não será mais o sepulcro, pois a vida antiga já não importa mais. Agora, o que importa é a comunidade eclesial de fé, isto é, o coro dos discípulos e das discípulas de Jesus. 

João é verdadeiramente um artesão, o seu Evangelho aos poucos nos introduz à fonte da verdadeira ressurreição. É sabido que na literatura judaica, no ato da criação, Deus sopra o hálito da vida sobre Adão, aquele que simboliza os primeiros viventes (Gn 2). Agora, na catequese joanina é Jesus que sopra o Espírito Vital sobre os discípulos: “Recebei o Espírito Santo!”. Os discípulos e as discípulas de Jesus receberam na mente e no coração a Ruah de Deus, isto é, o Espírito que faz nova todas as coisas (Ap 21, 5). 

Os discípulos se encontravam com medo e às portas fechadas, pois voltaram ao antigo ofício da tradição engessada, sem o Espírito da vida. Mas a misericórdia de Deus é tão grande que os impulsiona a mudar de mentalidade, a ser promotores de esperança, construtores de um mundo novo, de uma nova civilização, peregrinos da misericórdia, educadores da mente e do coração. Jesus oferece-lhes a paz de espírito: “A paz esteja convosco!”.   

Isso posto, os discípulos são insuflados, são revestidos e encharcados com o Espírito Santo, com o Espírito da nova criação (Ez 37, 3-5). Eles são revestidos pelo poder e pela força do crepitar das chamas do coração do próprio Deus. Eis a constituição da Igreja e a missão dos discípulos de Jesus: ir por todo o mundo, anunciando a Boa Nova, perdoando os pecados e curando as feridas do coração da humanidade. Pois a misericórdia de Deus é como água viva que mata a sede do coração daqueles que se abrem para o dom e para a graça de Deus. 

Desse modo, Jesus aparece no Cenáculo e os discípulos se alegram, mas faltava um deles, Tomé, apelidado como Dídimo. Os discípulos disseram-lhes: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20, 25). 

O ressuscitado, volta a aparecer oito dias depois no Cenáculo e Tomé ali estava. Jesus oferece pela segunda vez a paz de espírito: “A paz esteja convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não seja incrédulo, mas fiel” (Jo 20, 27-28). Aqui, Jesus rompe com o paradigma do “ver para crer”, o discípulo amado viu e acreditou, Pedro viu e silenciou. O silêncio de Pedro dentro do túmulo vazio é objeto de estudo para uma homilia futura. 

Não sabemos se de fato, Tomé tocou nas feridas abertas de Jesus, pois, o ressuscitado faz-lhe uma correção pedagógica: “Acreditais por que me vistes? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).

Entretanto, Tomé ao abrir-se para a graça de Deus, deixa de lado o elemento do “apalpar” e da “incredulidade”. Ele expressa a sua confiança com a mais plena profissão de fé, logo após o relato do Cristo ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus!”. 

Por fim, o discípulo amado viu e acreditou, Pedro viu os lençóis mortuários, mas ficou em silêncio, as mulheres viram o anjo e acreditaram. O Cristo ressuscitado apareceu aos discípulos no Cenáculo, eles ficam felizes porque viram o Senhor. Jesus, ao romper com a lógica tradicional do “ver para crer” nos ensina: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto! ” (Jo 20, 29).


Por pe. Rivaldo Oliveira da Silva, CSC

Capelão do Colégio Notre Dame

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