Homilia Dominical – 3º Domingo da Quaresma

Reflexão por Pe. José Paim, CSC
  • Ano Litúrgico A

Caros irmãos e irmãs, vivemos o tempo quaresmal, tempo favorável em que somos chamados a nos aproximar de Deus com sinceridade de coração, desejosos de revisar nossa vida, mudar nosso modo de ser e de viver, nos converter a Jesus Cristo, tomando nossa cruz de cada dia, a cruz que ele nos oferta para nos configurar a ele, amando-o primordialmente e servindo-o no próximo, especialmente entre os mais vulneráveis.

Tudo isso somente é possível se acolhermos o convite do salmista: “Não fecheis o coração, ouvi, hoje, a voz de Deus”! Nosso coração deve estar aberto a Deus, sempre aberto ao Senhor, à sua voz amorosa e acolhedora, bondosa e orientadora. Devemos sentir sede de Deus, sede de escutar sua Palavra e conservá-la em nós. Ela é a “água viva” (cf. Jo 4,10) capaz de nos saciar plenamente.

Ter sede de Deus e ir ao encontro de Jesus Cristo são condições indispensáveis para nosso crescimento humano, espiritual, integral, para viver a verdade de nossa vida, a liberdade de filhos amados por Deus, chamados a seguir Jesus no discipulado-missionário, comprometidos com o testemunho do Reino de Deus, anunciando na alegria o Evangelho da salvação, como irmãos e irmãs que devem ser no mundo sinais do amor divino. Desse modo, precisamos nos apressar e ir ao encontro do Senhor – Ele que primeiro tem sede de nós, como pediu a Samaritana: “Dá-me de beber”, conforme ouvimos no evangelho deste domingo.

O encontro de Jesus com a Samaritana é belíssimo e deve chamar nossa atenção, pois, na vida dela, cada um de nós deve se encontrar e, na história dela, somos chamados a reler nossa história. No encontro, contemplamos as duas sedes: a de Jesus e a da Samaritana que vem diariamente ao poço buscar água para se saciar. A iniciativa do encontro e a abertura do diálogo nasce de Jesus, que, aos poucos, vai rompendo preconceitos e criando uma proximidade com aquela mulher, que é também sinal de um povo e de uma comunidade, sedentos de Deus. Na sede da Samaritana podemos ver a sede do povo de Israel no deserto, relatada na primeira leitura.

O povo “sedento de água”, “murmurava contra Moisés” e, por conseguinte se levantava contra Deus. Diante da escassez de água e descrente do amor de Deus, o povo desejava voltar ao Egito, voltar às fontes antigas, incapaz de saciar a sua sede. Deus, no entanto, não deixou seu povo perecer, mesmo que este tenha abandonado o Senhor e buscado se saciar em lugares estéreis, como lemos em Jeremias: “Porque meu povo cometeu uma dupla perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água” (Jr 2,13).

Deus revelou uma nova fonte ao povo, um rochedo ferido pelo cajado de Moisés, capaz de saciar a sede do povo. No Novo Testamento, São Paulo fala que o rochedo em que o povo saciou sua sede era símbolo de Cristo, o único capaz de matar a sede da humanidade (cf. 1Cor 10,4). À semelhança do povo no deserto, a Samaritana busca matar sua sede no poço de Jacó, mas não consegue, pois sentia uma sede maior do que a água contida no poço.

No diálogo, Jesus revela à Samaritana que Deus não somente tem sede de nós, de nossa fé, de nosso amor, como dizia Santo Agostinho, mas só Ele pode dar uma água que sacia definitivamente nossa sede: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede:

‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva” (Jo 4,10). Esta água prometida por Jesus é o Espírito Santo, que faz brotar em nós rios de água viva, como o próprio Senhor dirá adiante (cf. Jo 7,39).

Assim sendo, o diálogo de Jesus com a Samaritana é também uma profecia que aponta para a cruz. Nela, a fonte de água viva será rompida para nós, pois do seu lado aberto pela lança brotou sangue e água (cf Jo 19,34). É a água viva do Espírito, que brota do lado aberto de Jesus na cruz, o Espírito que recebemos nas águas do nosso batismo, momento em que somos assumidos por Cristo e chamados à comunhão com Deus, à vida eterna. Nesse momento, o Senhor começa a nos saciar plenamente em nossa caminhada para Deus, como bem dizia Santo Inácio de Antioquia, a partir de sua experiência de fé, “uma água viva e murmurante que lhe dizia: vem para o Pai”.

Do encontro para o testemunho de Cristo…Depois de ter sido saciada pelas palavras de Jesus, a Samaritana deixa seu cântaro e vai anunciar o Senhor e no reencontro com os discípulos, Jesus fala de uma fome de fazer a vontade do Pai. Em Cristo, matamos nossa sede e também nossa fome, não simplesmente biológica, mas sobretudo espiritual, existencial, de realidades mais profundas em nós e que, muitas vezes, não temos a consciência desenvolvida para nos dar conta disso. A quaresma é tempo de nos perceber chamados por Jesus a realidades maiores, divinas, eternas, chamados a Deus. Para isso, precisamos nos apressar ao encontro de Jesus e deixar que ele nos fale ao coração. Do encontro com Ele, enquanto peregrinos nesta terra, devemos nos empenhar por um mundo melhor, mais humano e mais fraterno, vivendo, dentre as práticas quaresmais, a Campanha da Fraternidade que tem como tema: “Fraternidade e Fome” e como lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).

Cristo continua a sofrer em tantos irmãos nossos prostrados pelo flagelo da fome, fruto de nosso pecado, de nosso fechamento a Deus e ao próximo. Encontrar-se com Jesus, ser por ele saciado exige o comprometimento de ajudar os que mais sofrem, os que têm sede e fome, não apenas de amor e de paz, mas também de pão e de água, porque se falta alimento, falta dignidade e, se falta dignidade, falta amor e paz. O Senhor continua a nos dizer, como disse na cruz: “Tenho sede” (Jo 19,28) Amar concretamente o próximo é abrandar a sede de Cristo, nós que somos diariamente saciados por ele. Que Nossa Senhora das Dores interceda a Deus, ela que em tudo fez a vontade do Senhor, por nós para sermos mais irmãos!


Por pe. José Paim, CSC

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